André Rochadel, sua ignorância sobre história gay é indigesta

Cozinheiro bissexual propôs apagar homens homossexuais da sigla. Deveria ele saber que fazer isso é eliminar a história da luta LGBT

Publicado em 07/01/2023
Andre rochadel bissexual
Realidade que com a qual André vai ter de lidar: muitos direitos que ele tem hoje vieram da luta feita por gays

Por Welton Trindade

Cozinheiro que é, o ex-participante do show de talentos Masterchef, André Rochadel, de Brasília, gosta de dar receitas. O que motiva esse texto é uma que ele passou na sexta 6: de como exibir ignorância em poucas linhas de um tuíte. 

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Disse o rapaz: "A sigla deveria se dividir: GDS; gays, divas (eles dão mais importância que a outros da sigla) e simpatizantes. Inclusão só importa quando os beneficia, medidas sociais não importam se forem para o resto da sigla. LBTQIAP+, com os gays que não estão na outra sigla, no + dessa."

A falta de tempero na comida, no geral, é desagradável - pode-se achar que ele aprendeu isso. Mas o vazio de embasamento para emitir opiniões, ainda mais contra quem é oprimido, esse é muito pior - lição que parece ele não ter absorvido. 

Para tratar gays com tanto desdém, André precisou ignorar fatos históricos e até dados atuais que estão ao alcance de qualquer humanóide com acesso a um buscador na internet ou que possa olhar para fora da janela e ver do que é feito o mundo. 

André coloca como irrisório o quanto gays lutaram e continuam a fazê-lo não só para sobreviver como também em nome da comunidade arco-íris e pela liberdade de ser, amar e desejar. 

Quem realizou de forma mínima a intenção de estudar a trajetória do ativismo LGBT no Brasil sabe a força dos gays na criação de jornais clandestinos em plena ditadura militar para tratar de suas vivências e desejos (vide o histórico Lampião da Esquina) e conhece o quanto gays estiveram na linha de frente no fim dos anos 1970 para organizarem-se e lutar por direitos. Só para citar dois exemplos.

O Grupo Gay da Bahia, fundado em 1980, é hoje a mais antiga entidade ativista da área na América Latina. Sob liderança do antropólogo Luiz Mott, presidente do coletivo, o Brasil teve campanha vitoriosa para despatologizar a homossexualidade em 1985, cinco anos da Organização Mundial de Saúde ter feito o mesmo. 

O advogado João Mascarenhas, na época da Constituinte de 1988, foi o primeiro homossexual na história do Brasil a falar oficialmente no Congresso Nacional. Sua missão foi defender a criminalização de atos discriminatórios por orientação sexual. 

Aproveitemos a vinda a Brasília feita acima para falar do grupo Beijo Livre, de 1979. Fundado no DF por gays tais como o teatrólogo Alexandre Ribondi e o jornalista Romário Schettino, foi um dos primeiro grupos ativistas arco-íris do País! Chegou a entregar carta ao papa na visita dele à capital! Uma ousadia sem tamanho! 

Há mais! Enquanto André lacra com a proposta de tirar a letra G da sigla, a maioria das paradas do orgulho do DF têm gays à frente! Pobres, com muito ou pouco estudo, ateus, de religiões africanas, no Plano Piloto, na Ceilândia, em Santa Maria. Trabalho que não cabe em tuítes! (Em tempo: foi a alguma, André?).

E como tentar fingir que não existem os diversos gays donos de empresas arco-íris no DF que geram emprego para outros gays e para integrantes dos outros segmentos? Gays inúteis? 

Outros segmentos... É desrespeitoso "esquecer" (tratemos assim) verdades tais como o de que o maior programa de inclusão de pessoas trans da América Latina, o Transcidadania, em São Paulo, ter sido idealizado por um homem gay (Julian Rodrigues). 

Ainda em São Paulo, a Casa Florescer, abrigo para dezenas de pessoas trans (e só trans) foi erguida pelo trabalho de um homem gay (Alberto Silva). 

E o que dizer de uma das maiores vitórias do movimento LGBT no Brasil, a criminalização do ódio por orientação sexual e identidade de gênero? Fruto da luta de três gays: o ativista Toni Reis, o advogado Paulo Iotti e o psicólogo Eliseu Neto. 

O próprio cozinheiro, sem querer, cometeu contradição e mostrou a impossibilidade de minorar o papel de gays na revolução social em prol da diversidade. 

Pouco antes do tuíte acima, ele havia elogiado o fato de um gay, negro, do Movimento Sem Terra, a drag queen Ruth Venceremos, do DF, ter sido nomeado para cargo importante no Palácio do Planalto. Apagar o g... Sério mesmo?

André foi tão infeliz em seu ataque a gays que pode até ter se surpreendido com as respostas que teve ali mesmo ao falar da separação das siglas. Houve amplo apoio! 

Só que o pedido para tal não é para anular lutas tal como tanto anseia André. É o contrário, é para justamente não rasgar a história, dizem, dentre outras razões, quem advoga por isso.  

A anuência é demonstração do movimento crescente para reorganização em caminhos distintos das lutas de orientação sexual e identidade de gênero, tal como era no início.

A notícia triste para o ex-Masterchef é que a borracha da ignorância e seus lacradores de plantão podem muito, mas não podem tudo. 

André Rochadel, você, como bissexual, só encontra um ambiente amigável para mostrar o namorado nas redes, ter contrato com grandes marcas mesmo não sendo heterossexual, poder se casar e ter filhos com outro homem, viver em um Brasil menos odioso contra LGBT e ser protegido pela lei contra o preconceito por orientação sexual, você só pode ter tudo isso porque muitos gays lutaram para tal! Pois é, ou aceita ou apenas conviva com esse fato, mas apagá-lo você não vai conseguir! 

O que fica como balanço? Reflita e pare de servir ignorância com retrogosto de ingratidão! 


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