Em uma guerra, é sabido de todos que homens podem ser feridos ou morrerem nas batalhas, mas o que pouco (ou nada) se fala é que eles também são vítimas de estupros pelos inimigos.
"Estupros de homens acontecem, de uma certa forma, em todos os confrontos armados no mundo ao longo da história", afirmou o cientista social Thomas Osorio, à BBC News Brasil.
Pesquisador de Direitos Humanos na Organização das Nações Unidas (ONU), Osorio explica que o ato e corriqueiro em confrontos "e envolve tanto países democráticos quanto autocráticos".
"Assim que são feitos prisioneiros, a espiral de crueldade tem início e progride para estupro ou outras inúmeras forma de tortura física e psicológica utilizando o sexo como arma, seja por meio de humilhação, flagelo genital, penetração de objetos, incestos forçados, castração e inclusive esterilização."
"É como se os guardas de campos de prisioneiros se entediassem e progressivamente pegassem mais pesado, até chegar ao ápice da degradação", completa o pesquisador que foi apresentado à questão em 1993, durante investigações do conflito armado na ex-Iugoslávia.
Segundo seus estudos sobre violência sexual em conflitos, na Universidade de Leuven, na Bélgica, mais de 50% dos detidos sofreram tortura sexual, incluindo 80% dos homens em campos de prisioneiros.
Para a pesquisadora Janine Natalya Clark, da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, o objetivo é desumanizar o homem, despi-lo do seu orgulho com humilhação, punir o adversário e conseguir informação por meio de tortura.
De acordo com a pesquisadora Valorie K. Vojdik, da Universidade do Tennessee, nos Estados Unidos, nos territórios do leste do Congo, 20,3% dos homens declararam terem sido mantidos como escravos sexuais por opositores durante a guerra que assolou o país de 1998 a 2003.
No caso da guerra no Iraque, por exemplo, os combatentes detidos na prisão de Abu Ghraib eram obrigados a ficar nus e de cabeça coberta próximos a cachorros.
"Um traço cultural é que pessoas naquele país têm muito medo desse animal, e isso era aterrorizante para eles", explica Osorio.
Segundo Vojdik, em um estudo sobre a violência sexual contra homens em conflitos, na prisão de Abu Ghraib, tropas americanas abusaram de detentos e os forçaram a dançar nus e a se masturbar em frente aos companheiros, fotografando inclusive seus corpos em posições sexuais explícitas.
O relatório da Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) de 2017 mostrou que entre 19,5% e 27% dos homens no Curdistão Iraquiano, Jordânia e Líbano confirmaram ter sofrido violência sexual.
Um jovem, que foi raptado e detido em meio à guerra civil no Sri Lanka (1983-2009), descreveu à pesquisadora Heleen Touquet, professora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Leuven, na Bélgica, como foi estuprado por vários homens ao mesmo tempo.
Ele afirmou ter sido obrigado a fazer sexo oral repetidas vezes e foi violentado com um pedaço de madeira.
Osorio relata de um caso de um homem detido na guerra na Bósnia que foi forçado a cometer incesto com o filho.
O trauma foi tão grande que eles nunca mais se viram, e o menino se tornou um refugiado. Não houve possibilidade de contato, nem mesmo quando o pai estava prestes a morrer, muitos anos mais tarde.
Todos os pesquisadores apontam que o tema é considerado tabu pela sociedade e os homens não são estimulados a falar a respeito, inclusive por médicos. Em geral, sofrem calados e teme serem apontados como homossexuais.
Em muitos desses lugares, que passaram por conflitos, a única orientação sexual aceita é a heterossexual.
Osorio afirma que quem comete o ato tampouco é gay. "A maioria não é homossexual enrustido se aproveitando da situação de conflito para abusar, mesmo que seja comum pessoas colocarem em prática desejos reprimidos nesse tipo de oportunidade"
"Esse tipo de contexto também propicia algumas personalidades mais nocivas a darem espaço ao que há de pior dentro delas, como o comportamento de matar e exercer poder."
"Na narrativa sobre a masculinidade, não é possível estuprar um homem", explica o pesquisador. "As vítimas também temem a polícia, que é vista como homofóbica. Por estas razões, o abuso contra os homens é largamente subnotificado e, em grande parte, invisível."