Por Welton Trindade
Em 13 de junho de 2019, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) fez o movimento LGBT brasileiro alcançar seu maior e mais abrangente objetivo: a criminalização de atos discriminatórios por orientação sexual e identidade de gênero.
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A longa trajetória dessa demanda na história do ativismo LGBT e a mudança social que a tornou possível, claro, é obra de muitas centenas, milhares, milhões de pessoas.
De toda forma, ao analisar os principais passos que levaram à inclusão do ódio a LGBT na Lei do Racismo, três nomes se destacam: o ativista Toni Reis, o advogado Paulo Iotti e o assessor parlamentar Eliseu Neto.
A atuação de Toni Reis está na origem de uma das ações que provocaram o julgamento, o Mandado de Injução (MI) 4.733. Em 10 de maio de 2012, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), aí sob a presidência de Reis, protocolizava no STF aquela ação.
Conforme explica o paranaense Reis à nossa reportagem, a decisão de ir à Justiça veio de aprendizado gestado na capital federal e com importante contribuição da luta arco-íris feita em outro país latino-americano.
"Em 2010, realizamos seminário em Brasília sobre litigância estratégica com a participação de vários grupos ativistas. E houve uma especial, a de Marcela Sánchez, da organização Colombia Diversa, que expôs a experiência naquele país com questões de direitos das pessoas LGBT no judiciário. Então decidimos que nossa luta tinha que ir para a litigância, em especial a união estável ou casamento entre casais do mesmo sexo e também a criminalização da discriminação contra LGBT."
A saída das esperanças de LGBT do Congresso Nacional rumo a outro ponto da Praça dos Três Poderes, o STF, também foi o caminho vislumbrado por Eliseu Neto.
Nome recém-chegado ao antigo PPS, atual Cidadania, ele gestou a Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, protocolada em 19 de dezembro de 2013.
Neto falou que essa gênese tem a ver diretamente com o primeiro arquivamento do projeto de lei complementar número 122/06, que criminalizava a discriminação contra LGBT e cuja aprovação foi, por anos, maior bandeira do ativismo nacional.
"Ver o PL 122/06 ser rifado em prol da bancada evangélica em 2012 foi muito forte. Foi quando a ideia de processar o Brasil por omissão frente à LGBTfobia apareceu. Era uma loucura! O Psol recusou a ação. O PT, governo, dizia que já tínhamos legislação necessária. A direita dizia que queríamos censurar opinião. Eu conheci Roberto Freire, presidente do PPS, indo falar da criminalização. Foi nosso primeiro contato. Daí veio o apoio do então PPS do Rio de Janeiro por meio do seu presidente e meu amigo Comte Bittencourt."
As duas iniciativas eram unidas não só pelo objetivo, como também por nome que ganharia muito destaque nos próximos anos por essa atuação inclusive: Paulo Iotti, de São Paulo.
O doutor em direito constitucional e diretor-presidente do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADvS) fundamentou ambas ações do ponto de vista jurídico e legal.
Enquanto dava-se a tramitação, as palestras e textos produzidos por ele formaram base para geração de operadores de direito atuarem em prol dos direitos arco-íris.
Os anos se passavam e a morosidade era proporcional ao tamanho da importância do julgamento para LGBT. Entretanto, em 2017 e 2018, placas tectônicas começaram se mover, lembra Neto, já presidente do PPS Diversidade, núcleo LGBT do partido.
"Fiquei muito tempo falando com a ministra do STF Cármem Lúcia sobre a violência contra LGBT, homofobia nas escolas, no trabalho. Ela garantiu que colocaria em pauta assim que o ministro Celso de Mello terminasse o relatório." Cármem aí era presidente da corte.
No fim de 2018, Dias Toffoli passou a ocupar aquele cargo. Em 13 de fevereiro do ano seguinte, começava, enfim, o julgamento. Viriam quatro meses muito tensos.
As forças contrárias não ficaram apenas assistindo. A bancada evangélica no Congresso Nacional, por exemplo, também tinha conversas com ministros do STF com pedidos de protelação do processo.
Em maio, com claro cenário de derrota para o grupo religioso, houve grande artimanha engrendrada por esses parlamentares. O grupo tentou votar às pressas projeto de lei com menos garantias do que era pedido na Justiça e sem certeza alguma de que seria aprovado.
Neto viu aí grande risco de haver paralisação do julgamento depois de sete anos de espera.
"Celso de Mello, precavido, pediu histórico de todas as tentativas de criminalizar no Poder Legislativo e como estavam. Eu ficava desesperado. Celso usou o dossiê que preparamos e deixou claro para os ministros que era mais uma manobra com intuito de protelar. Isso gerou muita comoção nos ministros, que seguiram a ação com sessões que iam além do horário normal."
Toni Reis, morador de Curitiba, era muito mais facilmente encontrado em Brasília. De forma mais precisa em gabinetes de parlamentares e ministros do STF. Era preciso continuar com a votação e as conversas.
As estratégias de Iotti na defesa das ações passou por dar a LGBT oportunidade de mostrar conhecimentos jurídicos e vivências aos ministros do STF.
“Das cinco pessoas LGBTI+ que falaram no dia do julgamento, tivemos três homens gays (eu entre eles), uma mulher lésbica e uma mulher trans. Dessas pessoas, só a advogada lésbica foi sem o meu intermédio, as outras foram pessoas que eu pedi para elaborarem petições e fazerem sustentações orais. Lugar de fala e representatividade importam, é importante que o STF ouça as teses diretamente dos grupos vulneráveis que solicitam sua proteção”, falou o jurista à revista Claudia.
Eis que em 13 de junho de 2019, o Brasil passou a ser o país mais populoso do mundo a tornar crime a discriminação contra LGBT. “Dias Toffoli nos disse que foi o julgamento que o STF mais investiu tempo depois do mensalão do Lula“, confidencia Neto.
A ação desses três personagens não parou aí. Dentre suas atuações estão inclusive a transposição do que agora é garantido no papel para a vida cotidiana de LGBT, onde a palavra justiça é que realmente pode ser vivida.
“A vitória não está completa. Temos de fazer valer o que está escrito“, resume Reis.
Abaixo, documentos que estão na origem às duas ações.