Por Marcio Claesen / Artigo de opinião
Quatorze anos após a homofobia escancarada de Marcelo Dourado, o Big Brother Brasil deve ter outro campeão preconceituoso contra gays: Davi Brito.
Na terça-feira 5, o motorista por aplicativo teve apenas 28,73% dos votos para deixar o programa. Ironicamente, o eliminado foi justamente o segundo e último gay que havia na casa, o professor Michel Nogueira, com 70,33% dos votos (Alane Dias recebeu 0,94% dos votos).
Há semanas está claro que Davi é o favorito do público, mas o paredão desta terça-feira era decisivo para medir sua popularidade após acumular mais falas e ações problemáticas e manipuladoras nos últimos dias.
Talvez não haja mais pano à venda nos faróis das grandes cidades já que qualquer atitude de Davi é rapidamente acobertada pelos defensores.
Mais que isso: qualquer dedo em riste para demonstrar os defeitos do participante baiano logo recebe um carimbo de "racista" e "xenofóbico", palavras que à cada edição do reality se mostram mais esvaziadas de seus significados.
Em 2010, Dourado gritou "orgulho hétero" quando Dicésar, também conhecido como a drag Dimmy Kieer, soltou um bordão que era famoso na comunidade LGBT, "o mundo é gay".
O ex-lutador de MMA comparou ser chamado de gay com ser tratado como bailarino ou bandido e afirmou que héteros não contraíam HIV. O Ministério da Saúde obrigou a TV Globo a se retratar em rede nacional.
Além de Dicésar, havia outro gay assumido na casa, Serginho Orgastic, e uma lésbica, Angélica Morango. Nenhum deles chegou à final, vencida com 60% dos votos por Dourado contra outros dois participantes.
Em 2022, o vencedor pediu desculpas pelas suas declarações chamando a si mesmo de "ignorante" à época do programa e disse que "confundiram" o seu jeito com "uma pessoa preconceituosa". "Se você torceu por mim achando que o que nos unia era o preconceito, quero distância", escreveu em suas redes.
Da vitória de Dourado para cá, o casamento homossexual e a punição por discriminação a LGBT se tornaram realidade no País, foi exibido o primeiro beijo gay numa novela das nove, depois das sete, das seis e até em Malhação, teve cena de sexo gay em novela das 11, galãs assumiram-se bi ou gays (Marco Pigossi, Rodrigo Simas, Reynaldo Gianecchini, dentre outros) e o tema passou a ser tratado em qualquer horário do dia, aparentemente com mais aceitação.
Mas a homofobia não acabou. E ela se traveste por outros nomes também. Ficará na cultura popular do País, possivelmente por bastante tempo, expressões como "gíria baiana" e "gíria regional".
Foi com esses termos que os passadores de pano - incluindo muitos gays - justificaram a homofobia de Davi logo nas primeiras semanas de confinamento.
"Eu sou homem, não sou viado (...) meu pai me fez homem", disse, o brother aos gritos (sua forma favorita de se expressar). Dias depois, viralizaram vídeos em que ele comentava que um participante vestido de fada iria "pegar mal" e falando "sai fora, tu é viado, é" quando outro brother encosta nele na piscina.
Na semana passada, internautas escancararam o que entenderam como falas machistas e misóginas de Davi e apontaram sua manipulação ao pedir que Wanessa Camargo fosse eliminada após agredi-lo - imagens em câmera lenta atestam que a cantora bateu no colchão ou, no máximo, relou a mão no pé do baiano.
Davi é casado e ainda que troque carinhos na casa com outras mulheres nada disso é levado em conta. Seus escândalos são entendidos como autodefesa, sua grosseria como jeito de um jovem pobre da periferia se expressar, sua homofobia... bem... é gíria regional.
É aflitivo notar que, em geral, negros não compactuam com atitudes racistas; mulheres, em grande parte das vezes, se unem para calar os machistas; mas gays pouco se importam com falas homofóbicas - se, como é neste caso, a declaração vier de alguém de outra minoria.
Na "pirâmide de opressões", gays introjetaram que eles valem menos. Se a discriminação surgir de um combo "preto e pobre", ela pode e deve ser ponderada (quem não se lembra do caso do pedreiro homofóbico, há algums anos, que foi defendido nas redes sociais por influenciadoras trans porque a vítima era um engenheiro gay e branco?)
Os identitários usam uma escala subjetiva e complicada de pontos que vão sendo tirados ou adicionados a depender da etnia, classe social, gênero, orientação sexual e outros marcadores. Nessa matemática "woke", gays brancos são vistos como quase tão privilegiados quanto um hétero branco cis rico (para eles, a combinação mais nefasta que um ser pode ter).
Numa inversão de valores, o preconceito para essa parcela da sociedade não está mais sobre o que se fala, mas quem está falando. Te xingaram de "bicha"? Qual a cor dele, quanto ele ganha por mês? A depender da reposta, você saberá se pode abrir um B.O. ou deve pedir desculpas para o agressor.
É fato que gays sozinhos - ainda que se todos se unissem - não conseguiriam tirar um participante se dependesse somente dos votos deste grupo. Entretanto, é curioso notar como homossexuais claramente compram brigas para outros segmentos, mas que suas demandas nem sempre são encampadas pelas outras minorias.
O histórico de luta e conquista de gays e LGBT no Brasil e no mundo mostra (aqui são fatos, não opinião) que gays se insurgiram para reivindicar direitos para si e outras letras do acrônimo e sempre foram aliados de inúmeras causas.
Décadas depois, porém, mesmo com toda a bagagem pessoal de discriminação que a maioria carrega e cientes de que muitos ainda enfrentam homofobia em casa, na sociedade e dentro de si próprios, se invisibilizam em prol de bandeiras que não hesitariam em deixá-los na chuva na primeira tempestade que aparecesse.
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