Por Marcio Claesen
A heteronormatividade, que coloca formas rígidas e estereotipadas de papéis masculinos e femininos, pode ser vivida por gays? A resposta é sim e vai além do que se vive na cama.
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O Guia Gay conversou com alguns homens que envolvem-se com outros em que há preferência a modelos bem específicos de interação: enquanto os ativos são os dominantes, provedores e com aparência mais masculina; os passivos vivem o pólo oposto: gostam de ser submissos e afeminados.
O intérprete Carlos*, de 40 anos, de São Paulo, conta que o interesse por esse tipo de comportamento partiu de rapaz com quem namorou.
"Eu sempre senti atração por fetichizar muitos tipos de relações, as de dominação e submissão, as que trazem o teor mais paternal e filial, dentre outras", explica.
"Uma certa vez, em uma relação que já trazia um grau de abertura quanto a fetiches, taras e fantasias, meu namorado me revelou que também gostaria de tentar uma relação mais heteronormativa na cama: sentia tesão em pensar em ser a minha namorada, a minha fêmea, e que eu fizesse o tradicional papel de homem, o macho", lembra.
"Honestamente eu senti uma mistura de repulsa por este tipo de entendimento de relação, mas, ao mesmo tempo, tive tesão pelo tesão que ele me descrevia e comecei a considerar a ideia, inclusive pela atenção ao desejo do meu parceiro. E foi começar para sentir o prazer com ele. Nos realizamos muito assim."
Carlos, que é ativo na cama, explica que a adoção a essa vivência vai além do sexo.
"Quando há este tipo de relação, ela acaba se tornando muito forte até pela profundidade das confissões, imaginário e desejos. Geralmente se estende a outros âmbitos da vida também."
Sobre os pronomes de tratamento, varia de acordo com quem se relaciona.
"Quando estou vivendo um relacionamento deste teor e que este é um dos fetiches e fantasias sendo realizados ali, prefiro ir percebendo como a minha garota gosta de ser tratada."
Fisicamente, o intérprete, que ostenta barba no rosto e muitos pelos no corpo robusto, tem preferência pela aparência mais feminina.
"Quando isto tudo está em jogo, gosto muito do estereótipo de feminino no imaginário coletivo, ou seja, gosto do corpo liso e suas curvas, gosto das partes íntimas depiladas. Mas não tenho problema quanto ao outro ter ou não barba, por exemplo. Acho que minha atenção fica mais no corpo com estes detalhes. A única roupa que me me atrai e acho que atrairia é a calcinha."
Já o estatístico Marcos, de 43 anos, não tem atração por roupas, pronomes ou aparência feminina. Por fora, lhe interessa a beleza masculina típica. No comportamento, no entanto, é onde está sua particularidade.
"Eu gosto de ser o provedor e gosto de caras que busquem proteção, segurança", diz o morador de São Paulo, também ativo no sexo. "A ideia de relacionamento ideal pra mim é com alguém que não trabalhe, que goste de ficar em casa, por exemplo."
"Alguém que não seja feminino, mas goste de fazer trabalhos em casa, resolver questões domésticas. E que seja, de certa forma, dependente e goste de viver assim", defende o estatístico que tem aparência máscula, com barba e pelos no corpo musculoso.
Marcos deixa claro que essa diferença de papéis - e de situação financeira, inclusive - não é uma tentativa para rebaixar o rapaz. "Pelo contrário, gosto de tratar como um principe mesmo."
Ele vai além. "Às vezes, fantasio em ter mais que um, como os islâmicos podem ter até quatro mulheres, uma espécie de clã. Mas todos na condição de súditos e super protegidos. Gosto da dominação psicológica, sem nada de sofrimento físico. Gosto do sentimento de posse mesmo. Fazer com que eles se coloquem nessa posição porque assim a vida é melhor, mais cômoda e segura."
Ele explica que tenta deixar claro a forma como gosta que o relacionamento seja conduzido e que se não for assim, que cada um busque seu caminho.
"Há alguns marcadores na primeira conversa que dão indícios se o rapaz curte essa vibe ou não", diz. "Como eu tenho consciência de que essa minha preferência é muito particular, já tento colocar nicks direcionados no app, algum resumo do que curto. Eu tenho tendência de pensar assim: se não rolar nada do esquema que eu curto, puxa, não é esse, vida que segue."
E do "outro lado"? Como vivenciam passivos esse tipo de relação?
"No começo, não gostava, depois que me descobri puta comecei a ter prazer", conta o estudante Marino, de Passo Fundo (RS), sobre ser chamado por pronomes femininos.
O rapaz de 30 anos afirma que sua postura nos relacionamentos mudou há dois anos quando conheceu situações de dominação e submissão (BDSM).
"Sinto-me pertencente àquele que me trata assim", afirma. Ele esclarece que a postura só é bem-vinda na intimidade. "No trato social, não aceito bem."
De estatura baixa, corpo definido e poucos pelos, o estudante revela que se atrai pelo seu oposto. "Vejo como macho aquele cara mais másculo, geralmente mais forte, barbudo, parrudo."
Ele completa: "E como fêmea, aquela mais delicada, com depilação em dia, sobrancelhas inclusive, com roupas mais justas."
Com corpo inteiramente depilado e muitos músculos, Pedro, de 23 anos, de Fortaleza (CE), faz coro às diferenças corporais pelos dois componentes da relação.
"Curto muito pelos neles [nos ativos], em mim, gosto de ser lisa. E foco em ser rabuda para eles", explica o estudante que diz ser 100% passivo.
Pedro lembra que já teve dois namoros de dois anos cada em que os papéis eram bem determinados.
"Não me sinto bem se não me sentir a fêmea na relação. Essa dualidade me completa. Gosto de mandões, viris e que me protejam" explica.
Para ele, a situação extrapola a cama. "Adoro quando eles tocam a minha cintura ou me fazem passar na frente quando estamos entrando num restaurante ou coisa assim. São detalhes que fazem a diferença."
Quanto a críticas, elas podem vir deles mesmos, como no caso de Carlos. E o intérprete dá o tom do limite em que esse comportamento pode ser aproveitado da melhor forma.
"Mas muito trabalho (interno) me deixou claro que é uma fetichização, como as outras que vivemos. E somos seres pensantes e inteligentes o bastante para, com muito diálogo, conseguir filtrar na intimidade com o outro o que pode ser agradável ou não e, em se tratando de um relacionamento mais longo, o que pode ser prejudicial ou não."
*Os nomes dos entrevistados foram sugeridos ou trocados a pedido deles.